Quando eu era criança, minha mãe me elogiava dizendo que meus tênis  duravam bastante. Eu os trocava apenas quando os meus pés cresciam. E  assim, eles iam para a doação quase que intactos. 
Meus calçados permaneciam novos não  por apreço, tampouco por cuidado. Mas sim porque eu não corria e nem me  aventurava muito. Talvez eu seja um dos poucos da minha geração que  nunca quebrou um braço ou uma perna. Nem teve assinaturas no gesso ou  histórias mirabolantes de traumatismos corporais. 
A sola do  meu pé pouco se gastou na terra. Cortes e cicatrizes jamais colecionei.  Árvores? Nunca caí de uma delas. Tampouco subi. Eu as achava altas  demais para o meu tamanho. Também evitei banhos de rio. Porque a  correnteza poderia me levar. Ou mesmo fazer com que eu batesse com a  cabeça em uma pedra.
Os dias seguiram seus cursos. Minha  juventude desaguou e foi arrastada pela cachoeira. Que também levou os  calçados novos, os poucos amigos de escola e as histórias e lembranças  natimortas. Sobrou apenas um adulto medroso, que de vez em quando tenta  revisitar uma infância que não teve. Tarde demais, Peter Pan. Você se  deixou crescer.  E o tempo não volta.


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