quinta-feira, 28 de março de 2013

Agora sim


Tá. E daí o Big Brother acabou. As pessoas já podem voltar a ser inteligentes, ler mais livros e, quem sabe, apreciar as orquestras que tocam nas noites da TV Cultura. Sem as ladainhas do Bial, os brasileiros podem, enfim, pensar. Livres das hipnoses e das perdas de neurônios. Pronto, minha gente. A falência cultural do brasileiro acabou. O que e quem vamos criticar, agora que temos o universo do aprendizado nas mãos? Enfim, nós nos livramos das amarras da ignorância. Depois da novela das nove, podemos ler obras literárias, alimentar cães de rua, acabar com a fome no Brasil e, quem sabe, até estudar mais um pouco. O programa que emburreceu todo um país terminou. Já podemos abrir nossas janelas e cuidar das nossas próprias vidas. E, vitoriosos, pensar: cada achincalhada valeu a pena. Com a certeza de que nos fizemos ainda mais cultos. Apenas criticando um reality show.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Toc, toc, toc


- Prazer, meu nome é saudade.
- O que você faz aqui?
- Não sei. De vez em quando eu apareço.
- E até quando você fica comigo?
- Até você se distrair.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Divã




O Facebook é uma espécie de terapia assistida. Um divã-espetáculo em que exploramos os nossos problemas para um público ávido por julgamento. São dezenas, centenas, milhares de médicos – e loucos – absorvendo problemas alheios na tentativa de entender as suas próprias incompletudes. Na rede, somos todos amigos, todos conselheiros. Compartilhamos e abraçamos causas sociais. Manifestações que se resumem a um clique. Dividimos a dor de um término de namoro com quem nos ama, com quem nos odeia e também com quem não dá a mínima para a nossa vida. Aqui, somos todos perfis ávidos por um punhado de atenção. Avatares carentes que precisam ser curtidos. Muito mais do que ser cutucados, queremos abraços. Mas essa função ainda não está disponível on-line. Por enquanto.

O cheio da infância





Muitas recordações da minha infância estão associadas aos aromas. Cheiros que ainda hoje despertam uma nostalgia gostosa, às vezes combinada com notas de melancolia. Fevereiro, para mim, ainda é a época mais saudosa. Tempo em que sentia, já nos primeiros dias, a fragrância de hera cortada, característica dos primeiros dias de aula no Colégio Coração de Jesus. Como era bom chegar naqueles corredores enormes e respirar o ar de madeira antiga.

Lembro-me de quando as tardes eram livres e intermináveis. Do cheirinho da cama, do Nescau morninho, sempre acompanhado do beijo da Maria, dos acordes de terra molhada e das goiabas que caiam sobre ela, do pé de hortelã, da maresia que ficava ainda mais evidente no fim da tarde e, claro, da dama da noite, que lançava seu perfume inconfundível no jardim.

Junto com a lua chegavam do trabalho o Seu Claudio e a Dona Angela. Papai, que logo subia os morros para a cocheira, voltava com cheio de mato, suor e ração. Imediatamente substituído por notas de sabonete Senador e desodorante Brut de Marchand. Mamãe tinha cheirinho de talco e Julia, de colônia Giovana Baby. Aliás, até hoje minha irmã tem cabelos perfumados, mesmo quando não estão lavados.

Tantas lembranças me fazem respirar fundo. Talvez na esperança de reviver alguns destes aromas, muitos deles já extintos. Estou com uma saudade gostosa. Acho que preciso do ar de Rancho Queimado. Com direito a pão caseiro, coalhada, bolinho de chuva e guaraná Pureza. Manhê, faz pra mim?

Vende-se





Minha redação é publicitária. Curta. Direta. Incisiva. Cheia de pontos finais. Meus textos vendem. Mesmo maquiados por algum sentimentalismo, eles comercializam alguma coisa. Todos estamos numa vitrine. E se você discorda de mim, por que diabos está no Facebook? 

Aqui, todos somos produtos planejados por nós mesmos. Ou você acha que eu vivo sorrindo, vestido de Buzz Lightyear? Não, não! Essa é apenas a imagem que eu quero passar. De alguém feliz, que encara a vida de um jeito fantasioso. Óbvio que não vou colocar uma foto minha bêbado, suado, chato e com olheiras, embora esta situação seja mais freqüente do que essa estampa bem sucedida que insisto em propagar. Não se iluda. Embora eu seja – ou pareça – legal, sou teimoso, individualista, intransigente e, algumas vezes, egoísta. E viajo bem menos do que retrato nas minhas galerias de imagens. 

Eu sou um poço de defeitos, mas prefiro liquidar minhas qualidades. E, no que puder, vou tentar ajeitar a embalagem. Pra deixá-la mais desejável. É o que todos queremos. Somos todos picaretas deste grande comércio chamado Facebook. 

E você, o que vende?

Quem nunca?



Eu lambo o prato após a refeição quando estou sozinho. Verifico, por várias vezes, se a chave da porta do banheiro está fechada. Leio embalagens no supermercado. Assisto bêbado ao Telecurso 2000 quando volto da balada. Levo sachês de maionese e catchup para casa. Pulo em cima de embalagens de Toddynho quando as encontro na calçada. Solto pum na balada. Gosto de músicas infantis. Colo chiclete embaixo das mesas. Uso três vezes mais guardanapos do que uma pessoa normal. Indico meus primos Neto e Beko sempre que um atendente de telemarketing pergunta se eu quero sugerir alguém. Tenho vergonha de pedir desconto e informações para quem eu não conheço. Uso escova de dente dos outros sem problema algum. Abro o armário do banheiro na casa de desconhecidos. Uso lápis até o cotoco. Faço piadas internas quando alguém sai mal na foto. Ouço músicas imaginárias quanto o assunto não me convém. 

Todo mundo tem suas estranhezas. Tudo mundo. 
E você, qual é a sua?


Além da ponte




Quando eu era criança, infectaram minha cabeça com os perigos de me perder. Com o medo de estar sozinho num lugar desconhecido e o pânico de não saber pra onde ir (e vir). Até entendo meus pais, pois eles nasceram e cresceram com a mentalidade de que deveriam encontrar a pessoa certa, casar, passar num concurso público, procriar e acumular bens. É a matriz florianopolitana, cidade-província cercada de água por todos os cantos. Ilhada do mundo e, muitas vezes, do bom senso e da cultura “continental”. Certa vez, uma moça que fazia universidade comigo postulou: “passou da ponte é Palhoça”. Talvez, dentro do seu mundinho, ela esteja certa. O restante do Brasil é Palhoça. Berlin é Palhoça, Madagascar é Palhoça. Pobre provinciana. Que se alimenta com as notícias do Jornal do Almoço e engorda o ego aparecendo na coluna do Cacau, em meio a “top DJs internacionais” e “muita gente bonita”. É o estilo de vida que ela escolheu e eu respeito. Mas há tanta vida lá fora. E aqui dentro, o de sempre. Talvez ela tenha medo do desconhecido. Ou Palhoça seja assustadora demais para ela. Tem horas que nós precisamos nos perder para nos encontrar. Cruzar a Hercílio Luz ou sobrevoar o campo do Avaí pra saber que o mundo é bem maior do que um pedacinho de terra perdido do mar.