terça-feira, 24 de abril de 2012

Três, dois, um



Se as nossas exigências fossem realmente necessárias e nossos desejos coubessem num papel, talvez a vida fosse mais fluida. Teríamos menos compromissos, menos posses e menos pose. Os risos matariam a fome e os versos virariam chocolates. Sem calorias e culpas. O tempo pararia com o fechar dos olhos. Assim, dormiríamos tranquilos todos os dias. Oito, nove, dez horas. Sem atrasos, nem olheiras.

Pena que dificultamos tudo. Nossas exigências são supérfluas e os desejos extrapolam laudas e laudas. A rotina, burra e previsível, implora por risos, versos e chocolates. Investimos mais tempo em reuniões de negócios do que em encontros com os amigos. Vivemos mais para os outros do que para nós mesmos. Enquanto isso, o tempo segue impiedoso. Até o dia em que ele para, por completo, com o fechar dos olhos. E deixamos de acordar.

A vida tem roteiro e nós somos inteiramente responsáveis por nossa história. Por isso, quebre protocolos, invente uns cacos, reescreva atos e faça como no teatro: mande algumas pessoas à merda. No bom e no mau sentido. Mas não se esqueça: é tudo ao vivo e sem volta.

O espetáculo é breve e não permite ensaios.

A vida é simples. Nós que a complicamos.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

A crônica do viajante


O bom de viajar e saber que eu nunca mais voltarei. Que eu vou ficar perdido pra sempre num cenário distante. Com gente que muito provavelmente nunca mais vou ver ou ouvir falar.


Quando eu voo, meu corpo também flutua. E permanece vagando por entre as nuvens e os trovões que dão aquela turbulência que nos lembra de que estamos vivos e que ainda temos muito a perder. E a ganhar também.

Nos dias em que estou fora, faço questão de me perder pelas ruas. De esquecer quem eu fui e, principalmente, tentar descobrir quem eu serei. Porque uma viagem sempre me transforma. E me converte em outra pessoa. Muito melhor, mais interessante e com novas histórias pra contar.

Velha infância


Quando eu era criança, minha mãe me elogiava dizendo que meus tênis duravam bastante. Eu os trocava apenas quando os meus pés cresciam. E assim, eles iam para a doação quase que intactos.


Meus calçados permaneciam novos não por apreço, tampouco por cuidado. Mas sim porque eu não corria e nem me aventurava muito. Talvez eu seja um dos poucos da minha geração que nunca quebrou um braço ou uma perna. Nem teve assinaturas no gesso ou histórias mirabolantes de traumatismos corporais. 

A sola do meu pé pouco se gastou na terra. Cortes e cicatrizes jamais colecionei. Árvores? Nunca caí de uma delas. Tampouco subi. Eu as achava altas demais para o meu tamanho. Também evitei banhos de rio. Porque a correnteza poderia me levar. Ou mesmo fazer com que eu batesse com a cabeça em uma pedra.

Os dias seguiram seus cursos. Minha juventude desaguou e foi arrastada pela cachoeira. Que também levou os calçados novos, os poucos amigos de escola e as histórias e lembranças natimortas. Sobrou apenas um adulto medroso, que de vez em quando tenta revisitar uma infância que não teve. Tarde demais, Peter Pan. Você se deixou crescer. E o tempo não volta.

Miopia focal


O que falta na minha vida, definitivamente, é foco. Na sexta passada, fui para o meu apartamento, ao meio-dia, para resgatar o cartão de crédito que havia deixado em casa. Entrando lá, imediatamente eu o localizei e o guardei na carteira. Aí resolvi tomar um banho. Nesta altura do campeonato não havia motivo para usar a mesma roupa. Então a troquei. No quarto, a cama me seduziu para uma amostra grátis de siesta. E não poupou argumentos: lençóis macios, travesseiros afofados, cheirinho de lavanda. Foi impossível não dizer: “sim, sua linda, eu também te quero”, jogando-me no seu emaranhado de 200 fios suavemente trançados. Ah, o sono, o breve sono! Fecho os olhos e esqueço-me do tempo. O suficiente para me atrasar. E sair correndo feito louco pela rodovia. Sem o cartão de crédito, a carteira e o celular. Mas por que eu tava falando disso mesmo?

Ao modo do chef




Vivemos sonhando com o dia em que vamos comer caviar. Sem ao menos saber o que é a iguaria. Muito menos se vamos gostar dela de fato. A verdade é que nós não variamos o nosso cardápio por simples acomodação. Nós não conhece...mos nem 5% das receitas. E nem é por falta de acesso, mas sim por ignorância e, muitas vezes, por preguiça. Comer não é e nem deve ser mecânico. É um prazer. Tão importante quanto o sexo.

Se pararmos pra pensar, o ritual da comida é a única necessidade fisiológica que o ser humano tem o costume de fazer em grupo. Até agora nunca recebi um convite para um cocô coletivo. E espero nunca receber. Os mais pervertidos devem estar pensando: “pera lá, tem o sexo também”. Não. Definitivamente não. Um almoço pode ser compartilhado com a sua avó sem problemas. Já o sexo...

Muito mais do que reunir pessoas, o ritual da degustação deve ser encarado como, de fato, um ritual. Com adoração, num templo adequado. E com a percepção dos aromas e dos sabores. Hortelã, nozes, azeite de oliva, manjericão. Delícias que estão em qualquer prateleira de supermercado e que, às vezes, deixam de enfeitar nossos pratos simplesmente porque não temos saco para catar folhinhas e inventar frescuras ao modo do chef. 

Folhinhas? Frescuras?

Nossa vida é uma metáfora dos nossos pratos. Pensem nisso. Tem gente que come em cumbuca, em marmita, na panela. Tem também os que não comem. Há aqueles que sequer olham o que estão mastigando. Até porque a novela deve ser mais importante. Contudo, existem os indivíduos que colocam uma pimentinha diferente no feijão, noz e manjericão na macarronada, azeite extravirgem na torrada, com uma colherinha de cebolinha verde. 

Frescura? 

É realmente frescura pensar que um tempero novo pode mudar todo o cardápio? 

Há quanto tempo sua rotina não vê uma salsinha?

Arroz com feijão é gostoso. Mas cansa. E tem muita coisa interessante, ao seu redor, para ser experimentada. Fica a receita. Com um toque de pimenta.

Essas Mulhereres



As mulheres, de fato, são frutas. Cada uma com sua cor, com seu formato, com sua suculência e com sua textura. Algumas maduras, outras ainda verdes, com a promessa de ficar ainda mais saborosas e tenras. Tem ainda as ácidas, com sua perspicácia e seu humor inteligente. Muito diferente das azedas, que perderam o viço e o paladar.

Mulheres são doces – e amargas, quando desejam. Finas, delicadas e suaves – apenas quando lhes convém.

Mulheres, não tenham medo de ser a fruta que são. Vivam intensamente a delícia de seus sabores. Os gostos são variados. E todas, sem exceção, são gostosas. Do jeito que são.