quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Mais dia, menos dia


Está chovendo.
E eu aqui.
Covarde e encolhido, com receio de me molhar.

Medo de sentir meu pé na grama, de ficar gripado.

É mais cômodo ficar estático, acender um cigarro e acompanhar tudo da janela.
Ou então chamar minhas filhas e comer um bolinho de chuva ao som dos trovões.


As gotas varrem o chão lá fora.
E eu na lama, dentro de casa.

Olhando as folhas serem guiadas pelo vento, tal qual minha vida,

dependente de uma brisa que me leve para algum lugar.

Mas não. Cá estou, rodeado de semanários antigos e recortes de outras vidas, em uma casa que não me pertence.


Chove lá fora.
Faz frio por aqui.
Seco domingo, áspero e longo.

Mais uma oportunidade para pensar que não me enxergas.
Para entender que minhas filhas sequer existem.
Que o bolinho de chuva é apenas mais uma covarde representação de tudo o que sonhava viver contigo.

A natureza desagua.
Eu me expurgo.
Cada dia mais murcho e áspero.

Mais uma tarde chuvosa, mais pensamentos nebulosos, menos uma chance, menos um dia.

Um dia tudo isso acaba.
Um dia.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

A hora da estrela

Tudo está aparentemente calmo. Trabalho com a mesa cheia de papéis e envelopes. Ao meu lado, minha xícara de café, companheira de todas as tardes. Estou no meu reduto de idéias, calado e com a minha habitual cara de cansado. Mal sabem que eu sou um ator. Que existe uma ópera dentro de mim. Um teatro cheio de gente, de todos os tipos, que aguarda ansiosamente o primeiro ato do espetáculo. Ninguém sabe que eu sou arrogante, tampouco que mando as pessoas à merda via pensamento. Tolos! Uma hora abro minha fossa e libero toda a minha podridão. Que não se vê, mas que existe. Dia desses vomito tudo aquilo que me faz mal. Jogo o lixo no ventilador.

Adoro a hipocrisia. Estou olhando para todos com cara de nojo. De vez em quando alguém percebe. Abro, imediatamente, um carinhoso sorriso dissimulado - geralmente retribuído na mesma moeda. Tudo igual, sempre a mesma coisa. Os mesmos horários, as mesmas pessoas, as mesmas piadas. Se pudesse cuspiria na cara de cada um de vocês, que me roubam, todos os dias, oito horas da minha vida. O que a gente não faz por dinheiro! E tem gente que diz que não se vende. Mentira. Todos temos um preço. O meu é baixo.

Valho pouco, produzo o mesmo tanto, na mesma escala, todos os dias. Sou mais um peão. Um zé ninguém que terá seu momento de glória. Logo me levanto e começo a chacina. Todos vão se lembrar de mim nessa empresa. Enquanto isso não acontece, levanto-me calmamente e me sirvo de mais café. Amargo.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Signos de uma história de amor



[Eu] ?


[Tu] !


[Eu] ??


[Tu] !!


[Eu] ...


[Tu] ?


[Eu] ...


[Tu] ??


[Eu] ...


[Tu] ???

[Eu] .


[Tu] . ?


[Eu] . !


[Tu] : (


[Eu] : (


[ela] : )


[ela] : *


[eu] :*


[Tu] : (


[Tu] ...


[Tu] ...

sexta-feira, 8 de maio de 2009

A porta e as pedras


A porta ainda está aberta para você, amor. Mas entre com cautela. Levantei um muro de pedras atrás da fechadura. A única atividade que encontrei na tua ausência: juntar os escombros do que passamos e projetar uma nova obra. Fria, Grosseira, Estática.

Fiquei aqui sozinho. Num espaço que eu mesmo cerrei. Não tenho sol, mal tenho ar e a comida acabou. Estou condenado a apodrecer no claustro que construí. Ficou tudo escuro. Quatro paredes e eu. Frios, rígidos, inertes, mofados.

Prisioneiro da tua indiferença, suicida por necessidade. Logo a ferida seca e se inflama. Assim, tudo isso acaba e eu não fico mais só. Mas a porta ainda está aberta, amor. Se quiseres, traga uma picareta e destrua a fortaleza que tu mesmo arquitetaste. Corte-se, sangre, machuque-se. Tu sempre fizeste questão de dizer que em nosso amor nada seria fácil. A escolha é tua. Acomode-se e durma em sua colcha de cetim enquanto eu definho neste mausoléu ou resgate-me. Seu tempo - meu tempo - está se esgotando.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Amor tumor

O amor é um câncer.
Chega devagar, desregula o organismo.
Quando curado, deixa marcas.
Se fortalecido, traz desesperança.
Por vezes, enriquece a alma. Quando extirpado, deixa traumas.
Por fora tudo está normal. Exceto por minha aparência, arrogante e pálida.
Tua ausência aumentou minha sobrevida, longa e interminável.
Teu amor me fez doença.
Seu rancor me fez tumor.

Fim de jogo


Tudo embaralhado.
Os naipes estão repetidos e todos os coringas se perderam no meio do caminho.
O amor é, definitivamente, um jogo perdido.
As cartas são escondidas e as jogadas puramente estratégicas.

Seu jogo dramático ficou canastrão e, aos poucos, percebi teus vícios.
As regras deixaram de valer porque descobri que o amor não é uma loteria. Tampouco pode ser comprado com seu podre dinheiro.
Pegue todas as tuas fichas e esse copo de uísque quente e repugnante.
Cansei do teu jogo de azar e de tuas apostas inconseqüentes.
Não sou mais teu passatempo.
Game Over.

Um salto a mais

Mulheres são flores, são espinhos.
Drama, romance, às vezes suspense.
Frágeis, fortes. Frias, quentes.
Ninguém decifra as mulheres.
Cada uma é uma.
Insubstituível.
Única.

Juízo Final


Meu amor é masoquista. Um Cristo que se prega na cruz, por vontade própria, e a carrega apenas por uma mera penitência. Uma indulgência lenta e cruel, que sangra aos poucos. Que seca em meio a uma longa e árida peregrinação.
Vigio tua vida de longe, como um jogo de espelho. Acompanho por trás da persiana teus devaneios, tuas glórias, teus fracassos, teus amores.
Minha paixão é surda e muda. Oxalá que fosse cega. Talvez furar os olhos doesse menos do que acompanhar tua existência, feliz e bem-sucedida. O prazer de sofrer, contudo, é mais doentio, mais sádico, mais vicejante.
Tua indiferença me excita. Tua ausência, sufoca. E sabes disso. Matas-me lentamente, como quem desliga uma máquina de oxigênio e a religa para recomeçar tudo novamente, em um ciclo vicioso.
És causa e conseqüência do meu martírio. Sou inquilino do teu purgatório, teu Judas, que um dia vai te trair e te crucificar. Enquanto isso, eu te vigio de longe e arquiteto tua cruz.
Tudo será religiosamente projetado. Darás teu sangue para salvar a humanidade de tua indiferença.

Dilúvio


Está chovendo dentro de mim.
Um orvalho frio umedece meu corpo e inebria meus olhos.
Tudo ecoa neste vazio: gritos e choros.
Até o silêncio reverbera.Estou só dentro de mim mesmo.
Queria poder desaguar todo meu oceano.
Enquanto o cultivo, uma ressaca agita meu peito.
Estou mareado, cansado do salitre que envelhece minhas pálpebras.
Um dia meu sentimento transborda. E o sertão vai virar mar.
Far-se-á dilúvio em mim.
Molhado e feliz, saberei que minha vida era seca pelo simples fato de ter medo de amar.

Brainstorm


Eu só quero que o dia acabe.
Que essa nuvem cinza que me acompanha desabe em tempestade.
Que o vento sopre forte e me arremesse longe.
Que todos os raios caiam na minha cabeça.
Que bom seria.O dia acabaria.
Calmaria.

Um pouco de mim


Sou publicitário. Lido todo dia com fotos de pessoas felizes, brindando uma vida perfeita, longe dos problemas, abraçadas com a solução. Em meus anúncios todos têm dentes brancos e perfeitos. São altos, louros e de olhos claros. As famílias são completas, geralmente acompanhadas de um belo cão labrador.

Sou genitor de criaturas de um mundo utópico. Minhas peças enaltecem o belo, o superficial, momentos de uma falsa felicidade. Mentirosa, pois se apaga junto ao clarão do flash. Se a família feliz sorri é porque lhes pago cachê. Se os dentes são claros e bem formados, é porque a produtora os selecionou. E também foi bem remunerada para isso.

Eu sou baixo, levemente calvo e tenho uma barriga nada sensual, mas produzo final feliz e crio estereótipos convencionais. Pessoas que eu queria ser, com quem queria estar. Com um lápis na mão e uma idéia na cabeça tenho autonomia para tudo. Posso ser profundamente infeliz e representar alegria e muito sucesso. A vida é uma grande propaganda. Mas no fundo, bem no fundo, há um produto igual a todos os outros, com preço acessível, produção limitada e pontos de venda pra lá de esdrúxulos. Na verdade sou apenas mais uma embalagem na prateleira. Comum por fora, diferente por dentro. Sou publicitário.